sábado, 6 de julho de 2013

Melancolia

Tudo na cidade funcionava em perfeita ordem. Até que se viu, brilhando no céu, a uma grande distância, um monstro que se aproximava.

A mãe penteava o cabelo da filha, preparando-a para dormir. O pai, observava com amor e carinho. E o irmão ainda estava acordado, estudando. As provas do ensino médio não eram fáceis. E a avó já estava cochilando no sofá, enquanto passava a novela. E o avô, morto e cremado, estava em uma urna banhada a ouro, onde observava toda a família.

Pois foram todos dormir, menos o irmão, que ainda não havia terminado. E estava obcecado por aquele assunto. Era física mecânica. Fazia os exercícios, como se não houvesse amanhã. Até que ouviu um som. De repente, um alarme tocou, ao longe. E um vento frio começou a percorrer sua espinha. Arrepiado, levantou-se e foi à cozinha. Tomou cada gole d'água como se fosse essencial à sobrevivência. Abriu a geladeira, tirou uma banana, descascou e comeu.

Subiu as escadas, indo à janela do corredor. A lua se erguia, amarela e pequena, no céu de outono. As árvores, alaranjadas, perdiam suas folhas, que caíam no chão como lágrimas. A tristeza estava no ar. Ele podia senti-la. As estrelas brilhavam fracamente, como vidas que iam embora. Porém, uma brilhava forte. Vermelha como sangue, crescia com vigor sobrenatural. Entrando no quarto, ligou sua televisão. Um jornal estava passando, informando, em tom de alerta, acerca do meteorito que se aproximava. O mal estar era esse, então. Diziam que não havia motivos para se preocupar. Ele se sentou na cama, chorou até que não conseguisse se levantar. Tomou um frasco de remédio para dormir e lá ficou, deitado, para sempre.

A mãe acordou de súbito, com uma arritmia. Se levantou, desceu as escadas e foi beber água. Tomou cada gole com um nó na garganta. E logo decidiu ver as crianças. Viu a filha, que estava dormindo, calmamente, com uma suave apneia  E, quando chegou ao quarto do filho, viu que ele dormia, calmamente, sem som algum. Tranquilizou-se. Mas, ao ver o frasco em suas mãos, se desesperou. Deu-lhe três tapas em cada bochecha, na esperança de acorda-lo, todavia de nada adiantou. E a televisão, ainda ligada, mostrava o meteoro que assim chegava. Entendeu. Foi ao quarto, ver o esposo. Acordou-o de repente, levando-o ao quarto do filho. Choraram. E continuaram chorando até que prestaram atenção no noticiário, que alertava que não havia perigo algum.

A avó sempre acordava no mesmo horário, às 3:17, para verificar todos os familiares. Via os netos, que dormiam calmamente. Via o filho e a nora, que dormiam abraçados, com sorrisos. Mas, não nesse dia. Ouviu o choro dos pais, lá em cima. Subiu as escadas afogada em pressa. Ao vê-los caídos no chão, chorando, e seu neto jogado na cama, com um frasco de remédios para dormir, não conseguiu resistir. Abraçou-os, dando-lhes a sensação que não havia motivos para se preocupar, enquanto o choro morria feroz, na garganta.

A filha, por outro lado, permaneceu dormindo. Sonhava com um mundo que se erguia na ponta dos dedos de deus, plano e cheio de árvores, animais e outras crianças para brincar. Um nobre leão surgia e levava alegria, aonde quer que fosse. Sua canção enchia seus corações daquilo que elas mais precisavam, amor. A verdade é que as crianças possuem sonos diferenciados. São uma porta deste ao outro mundo.

Então, o monstro destruiu cada um deles. Fez-se rei daquela terra ao dominar o território, escravizando seus corpos e suas almas. Mas, os dois filhos já estavam juntos ao outro lado, enquanto seus pais vagavam pela Terra, com seus assuntos inacabados... Realmente, era melhor terem ficado dormindo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Minhas [des]ocupações mais valorosas...