quarta-feira, 10 de julho de 2013

A herança

Eram três. As irmãs possuíam nada em comum além da linhagem. Eram Maria, Teresa e Elisa. Uma católica, outra evangélica e, ainda, uma espírita, respectivamente. Não se viam há trinta anos. Até então, uma desavença familiar as havia separado, sem maiores discussões. Depois da morte dos pais, a briga pela herança fragilizou ainda mais os laços familiares. Suas vidas prosseguiram como se nunca tivessem se conhecido. Elisa, a primeira, teve dois filhos, Rita e Tiago. Maria, a segunda, teve três, Samuel, Rafael e Gabriel, trigêmeos. Teresa, porém, não podia ter filhos. Amargurada, se tornou uma devota ferrenha, onde nada lhe dava mais consolo que Deus. "Só Ele sabe de todas as coisas", ela repetia para si mesma, todos os dias, ao acordar.

Encontraram-se, por acaso, no supermercado. Passavam pelo corredor dos biscoitos quando, ao olhar para frente, se viram. Imediatamente, todos os sentimentos conflituosos voltaram. E a inveja de Teresa, que não havia herdado a casa, a fez gritar. Ainda imatura, nunca conseguiu esquecer que as irmãs tomaram a casa que era sua, por direito. Ambas já eram casadas e possuíam seus próprios lares. Porém, não. Elas queriam mais. Talvez tenha sido essa amargura que tenha lhe desenvolvido o câncer que esterilizou até mesmo sua alma. Maria e Elisa, ao se ver, lembraram do golpe e, brevemente, sorriram. Mas, ao se lembrar do que se seguiu, a raiva tomou conta.

Trinta anos atrás e elas se lembravam como se fosse o dia anterior. Os pais haviam morrido em um acidente de carro, enquanto voltavam de viagem. O velório e o enterro aconteceram na mesma semana. Luíza e Artur deixaram claro no testamento que a casa, único bem valioso que possuíam, ficaria para as três filhas. Duas delas, já casadas e com filhos, não habitavam com eles. A outra, ainda era estudante e visitava esporadicamente. Talvez por ganância, acima de qualquer coisa, as mais velhas não conseguiam suportar ver uma jovem recebendo aquela quantidade absurda de dinheiro. Rasgaram o testamento e forjaram um novo, com alguma ajuda do tabelião.

Teresa recebeu, então, uma pequena quantia em dinheiro para continuar estudando. As duas irmãs restantes batalhavam, então, pelo restante. Elisa queria tomar 70% para si, ao passo que esse era o mesmo passo de Maria. Presas em uma batalha judicial secular, gastaram quase o dinheiro todo da venda da casa. E pararam de se falar. O ódio, enraizado na família, cresceu ainda mais quando Teresa descobriu o que fora feito. Todavia, já era tarde demais. Solteira, desempregada e desamparada, descobriu que a vida não era fácil. Teve que se virar desempenhando favores sexuais a quem pudesse pagar. "Pagando bem, que mal tem?", se dizia sempre. Mas, viu a luz tocar no seu espírito. E, convertida, conseguiu arranjar um emprego na igreja, o suficiente para sustentar sua vida e seu dízimo.

As três irmãs se viram, pararam, se lembraram de tudo e riram. A história foi engraçada, afinal. Porém, ao continuarem sua rota, sem olhar para trás, xingaram umas às outras. Portanto, não é que a história foi engraçada, mas o destino que cada uma tomou. Seus maridos, na verdade, nunca tomaram ciência de quaisquer acontecimentos. De fato, continuaram suas vidas como se nada houvesse acontecido. E morreram tão pobres quanto sonharam em nunca mais ser. Moral da história: nunca tentar passar a perna em alguém cujo destino está trilhado junto ao seu.

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