quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O sebista

   A vida, como um todo, é engraçada. Trágicas mesmo, são as ocupações. A vida do sebista é tragicômica. Para ele, é trágica em quase todos os aspectos; cômica, porém, para quase todos os outros. Às vezes, eu acho que se eu não tivesse alguma história de vida, choraria todos os dias com as desgraças que me acontecem. Felizmente, dia após dia, eu aprendo a rir.

   As pessoas chegam até mim, como quem quer carne. Vêm famintas de histórias. Eu faço meu melhor. Indico as obras que até mim chegam, por um intermédio ou outro. Faço o que posso. Mas, isso parece não ser o suficiente, às vezes. Tudo na vida é medido em frequências. Felizmente, não é sempre, todavia é mais do que eu gostaria que as coisas me acontecessem.

   Os livros vêm em todas as formas, cores e tamanhos, de todos os tipos de lugares inimagináveis. Pessoas vêm e me vendem, em alguns casos. Mas, na maioria das vezes, é imprescindível que eu mesmo vá buscar. Por todo tipo de lugar. Você não imaginaria o tipo de caverna onde já busquei livros. A procura mais parece com Indiana Jones, pra falar a verdade. Esse tipo de aventura, já mais de uma vez, me fez distender um músculo ou outro qualquer.

   Há uma diferença implícita entre preço e valor. Este último é aquilo que se deve pagar sobre uma coisa; o outro é o acordo explícito excessivo sobre o pagamento. Em se tratando de livrarias, o valor é claramente rejeitado; dissociado do preço, por assim dizer. Quando vamos falar de sebos, porém, o preço é melhor ajustado ao valor. O problema é que o cliente não entende isso. Quando se fala em livros usados, o cliente imagina "deve ser a preço de banana", creio eu. Inclusive, com livros raros.

   A clientela deve imaginar no sebista como um revendedor de carne. Chega aos confins das bibliotecas subterrâneas da década de 1950 e pedir "um quilo de Drummond, por favor, mais dois de Tolstói". O que me surpreende mais ainda é a falta de tato. Peguemos como exemplo um livro extremamente raro. Quando o sebista faz uma oferta, é implícito que o cliente pode fazer uma proposta. O problema começa, porém, quando um livro tem o preço de cento e vinte dilmas e o cliente quer pagar apenas trinta. Sem nem oferecer qualquer abono para amortizar o valor.

   E quanto aos livros em armazém? Um sebista nunca pode deixar de comprar livros novos. É uma das poucas semelhanças com os livreiros (donos de livrarias) fora, é claro, o fato de ambos venderem livros. Se um cliente quer um livro, o sebista o tem armazenado, e não se lembra? Perde a venda, claro. E perde o dinheiro. Porém, e se ele se lembrar? O armazém é longe. Pede ao cliente que volte no outro dia. O cliente volta, feliz, à espera do livro. O sebista, de cara amarrada e o braço direito engessado, vende o livro por um preço levemente superior, dado o esforço feito. Venda feita. Mas, e todos os gastos com o braço? Provavelmente, a UNIMED só cobre o braço esquerdo.

   No final da maioria dos dias, o sebista fecha de cara fechada, acompanhado por todas as moscas que o fizeram companhia durante todo o dia. Afinal, não é todo mundo que gosta de comprar livros usados. A pior parte é essa: nem todos os livros são usados. Pior ainda, na verdade, é que: muitos não sabem disso, fomentando um preconceito escroto.

   A vida do sebista é (muitas vezes) solitária e cômica, mas, principalmente, trágica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Minhas [des]ocupações mais valorosas...