domingo, 11 de agosto de 2013

Relatos de cama

Estava em casa assistindo televisão quando me ligou. Corri para atendê-la. Minha esposa estava tocando o violoncelo, no quarto. "Alô", disse com a voz grave, enquanto eu atendia. "Era engano, querida", gritei para que ouvisse. "Você sabe quem é?", disse a voz do telefone. "Não", respondi, com o coração já acelerando. "Sabe, sim; sou eu... Estou no lugar de sempre, te esperando... Você vem?", disse a voz sedutora. Um número X de mulheres apareceu em minha mente. Mas, restringi ao número Y que não me odiava que poderia fazer esta ligação...

Le Viol (The Rape) - MAGRITTE, René
Quem sabe era a loira do elevador? Encontrei-a quando nada mais dava certo. Havia sido abandonado por tudo e por todos. Ninguém mais conseguía ouvir minha voz; só, quem sabe, eu mesmo... Estava subindo ao terraço, para vislumbrar a cidade. Quem sabe algo me inspirava? Na verdade, não. Isso era mentira. Tudo o que me conto são mentiras. Eu sabia da realidade. Repetia-a para mim mesmo, para logo em seguida poder negar e repetir aquilo que eu queria ouvir. Francamente, era a morte. Eu estava subindo para morrer. Uma vez que eu visse todas aquelas vidas acontecendo e a minha tão... estagnada... eu me deixaria cair num salto de fé sobre aquilo que eu mais amava: eu mesmo. Começamos a conversar e ela me chamou para seu quarto. Sinceramente, foi a melhor noite da minha vida. E daí que ninguém me amava? Eu me amava; o importante, afinal, sempre fui eu.

Podia ser a ruiva da loja de café. Ela me apareceu como fumaça. Ela me reconheceu como o vizinho adolescente de quando ela era criança. Ela me confessou que sempre havia me tido como um modelo. Nunca fui bonito, francamente, mas eu sempre soube conversar. Eu estava com bloqueio criativo. Chamei-a para um almoço no bistrô da esquina, no dia seguinte. Quando apareceu, estava deslumbrante. Ela não era a mais bonita do lugar, tampouco a mais atraente, contudo, havia algo nela que me chamava a atenção. Seria seu grande sorriso derrotado. Uma mulher de trinta e alguns anos trabalhando como garçonete nos mostra que a vida não é gentil para todos. Mesmo assim, lá estava ela, sorrindo e sendo agradável. Conversamos sobre as nossas vitórias e derrotas, onde encontramos um ponto em comum. Eu não encontrava a mim mesmo, mas ela possuía um domínio tão grande de si mesma que me assustava. Me levou para sua casa e tivemos uma noite curiosa. Ela satisfez a sua e eu a minha.

Podia ser a morena. Eu não sei como a encontrei. Ela apareceu na minha vida tão rápido quanto desapareceu. Nos encontrávamos casualmente de um hotel afastado do Centro da cidade. Lá, podíamos ser quem quiséssemos. Uma vez, me vesti como JFK e ela, como Marilyn. Foi como uma fantasia realizada. Gritos que podiam ser ouvidos na lua. Infelizmente, quanto mais penso naquela noite, sinto que poderia ter sofrido o tiro que ele sofreu. Um tiro que removeria até mesmo meu cérebro. Seria apagado da existência. Eu seria lembrado como o homem que morreu enquanto traía a esposa com Marilyn Monroe. Mas, não para mim. Aquela noite seria a última. Eu me lembraria somente, e tão somente, do prazer de um orgasmo.

Há diferença entre lealdade e fidelidade. Amo minha esposa; é minha melhor amiga. Eu nunca conseguiria abandona-la. Todavia, não consigo ser fiel. Procuro-as em todo lugar que vou. A rotina de um homem é conturbada. Muitas mulheres aparecem, aonde quer que eu vá, e não é culpa minha se eu as desejo. A melodia conturbada da existência apresenta essas mulheres como dissonâncias; não são relações naturais, são criadas. O casamento é sólido, mas as outras mulheres são aquilo que dá graça e cor à música.

Já sei! Ela tem cabelos loiros e, às vezes, vermelhos ou, quem sabe, acastanhados... Sempre um ou outro. Não é uma pessoa muito constante. Invisível, ela me apareceu como uma miragem num porto qualquer, num litoral do Leste. Honestamente, foi ela que me puxou para o primeiro barco que vimos. Ela passou suas mãos por todo meu corpo tocando cada fibra do meu ser. Arrepiado, senti a melodia da vida tocar num verde intenso: o azul melancólico misturado ao amarelo festivo. Senti seu enlace total quando suas pernas se amarraram ao meu redor, quando sua vida pulsou forte, com gemidos de dor e prazer intensos. Ao terminar, se levantou e saiu. Deixou-me seu cartão. Nos encontrávamos sempre na marina, em um barco qualquer, cujos números sempre começando com seis ou terminando com nove.

Quando a encontrei, me aproximei devagar, cauteloso. Senti seu perfume forte invadir minhas narinas. Toquei seus seios, pequenos, que se tornavam rígidos ao toque. Apertei suas nádegas com o desejo... Senti sua alma me percorrer o corpo todo, arrepiado. Não me lembro de mais nada depois disso. Estou cansado e quero dormir. Meu corpo já não responde mais aos movimentos de um simples andar. Meus braços não se levantam, nem conseguem me arrastar. Acho que é isso. A vida me foge como um jogo de futebol. A bola é lançada e todos os outros a tocam, menos eu. Cartão vermelho! Fui expulso. Outro está tomando meu lugar...

Um comentário:

Minhas [des]ocupações mais valorosas...