quinta-feira, 30 de maio de 2013

Três vezes sufocadas

   Os olhos. São sempre os olhos, não é? As pernas se locomovem e os braços servem de utensílios. Mas, e os olhos? São apenas portas da alma. As últimas defesas do corpo humano.
   A cozinha estava vazia acerca de população útil. E a festa acontecia sem perturbações de maior ordem. A polícia não ousaria penetrar. E eu não conseguía me sentir bem comigo mesmo. Eu estava abrindo uma garrafa de vinho quando ela veio falar comigo. Seu sorriso falava alto que ela tinha vontade de se entregar ao primeiro que aparecesse. Por coincidência, este era eu, lembrando que ela acabara de sair do banheiro.
   Seguimos pelo corredor ao que me pareceu duas vidas. Vivi e morri quantas vezes possíveis. E calculei quanto tempo eu teria até que o vinho fizesse efeito. Eu queria me lembrar daquela noite. Mas, tenho certeza que ela não. Chegando lá, despejei o conteúdo em uma longa taça, que ela bebeu furiosamente.
   Vigorosamente, arranquei suas roupas, com meus dentes, e fiz daquela noite uma memorável para ambos. Sua calcinha dizia "Hester", me lembrando de um coelho que eu possuía quando criança. Nostálgico, toquei seu pescoço. Eu podia sentir o sangue pulsando por suas veias.
   Ela já estava desacordada, não é? Não seria grande coisa. Só por alguns minutos. Ela nunca iria perceber. Meu punho tremia com aquela prática há tanto abandonada. Considera-se a masturbação acerca da estimulação de uma zona erógena. Esta, por sua vez, é uma que cause prazer, seja uma boca ou até mesmo um dedinho mindinho do pé esquerdo.
   Toquei seu pescoço, mais uma vez. Então, apertei forte. Apenas por quinze segundos. Foi tão bom. Senti meu peso sobre seu corpo quase quebrar uma costela. Ela não acordou. Na verdade, nem suspirou. Não havia percebido a falta de oxigênio.
   Toquei seu pescoço, então, com mais força. Pressionei seu pescoço contra minhas duas mãos por trinta segundos. E foi bom. Até demais, por sinal. Eu desejei que nada daquilo estivesse acontecendo. Mas, o Destino nunca voltou para mim. Ela estava viva, afinal. Todo aquele esforço para não mata-la estava fazendo efeito.
   Quem era ela? Não me importava. Eu só precisava de uma vez mais. Prometi a mim mesmo e à Virgem Maria que eu nunca mais o faria. Eu só precisava de mais uma vez. Um toque sereno e singelo, onde a pressão foi mais leve que meus dedos, foi mais que suficiente para aliviar todo aquele pesar sobre meu próprio pescoço.
   Senti que durante os cento e vinte segundos em que me mantive sobre seu corpo, cada vez com mais força, eu poderia ver sua alma se esvaindo do corpo. E, assim, o foi. Quando chegamos aos sessenta segundos, sua face já estava azul. E ela, acordada, tentava gritar. Mas, a prática morria na garganta, antes de causar algum estrago.
   Morreu, então. De repente, por assim dizer. Não consegui me controlar. Uma noite de amor e morte. Duas coisas antônimas, segundo a sociedade. Mas, não consigo acreditar nela. A matei porque a amei. E o fiz como ninguém mais. Seus olhos ainda brilhavam como duas órbitas recém nascidas.
   Removi-as quando pude. E levei para meu quarto, em casa. Guardei-as em um pote, com os outros, de tantas outras. E meu coração se encheu de alegria. E lembrei de todos os momentos felizes. E percebi que meus próprios olhos estavam habitados pelas lágrimas de um amor que se foi.
   E lembrei que abandonei o corpo ao deus-dará daquela população misógina. Eu fui, verdadeiramente, o único que ela decidiu amar e foi reciprocada, em uma noite. Meu único pesar, agora que paro e vejo, foi que durou apenas uma noite. E, nunca antes na História, uma noite valeu tanto a pena.
   Simples sonhos, de uma realidade alternativa, onde minha vontade não se subjuga ao Direito dos homens. Com seus ternos e gravatas, se puseram contra o Instinto natural, de fazer a Vontade e de amar, conforme a carne deseja.
   Onde as trevas se encontram e a alma se refreia, ante tudo aquilo que faz parte. E faz bem, também, ao indivíduo que merece conhecer tudo que sente vontade, sem ter medo de ser nada além de feliz. Pondo-se, através das palavras, mais um de seus desafiantes.

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