sexta-feira, 27 de abril de 2012

Um almoço, uma vida

        Ah, como a gorda é voraz. Uma delícia de assistir. Uma imagem maravilhosa. Ah, como a gorda é linda. Sinto-me apaixonado por ela. Sinto como se o mundo fosse ali. A gorda sempre é a última cliente. Sempre está em ótimo humor. A gorda, aquela no canto do restaurante, observa o cardápio como uma criança que acaba de comprar um livro novo.
            A gorda olha pacientemente, porém rapidamente, a seção de saladas. Sim, ela deseja começar bem. O antepasto será ótimo, ela pensa quase que em voz alta. Ela deseja começar com algo para ajudar a digestão. Uma coisa leve. Ela, então, pede uma salada de alface com tomates, cebolas, ovos e alho. Ah, como ela gosta de alho. Sente como se cada dente de alho mudasse o prato somente com seu cheiro maravilhoso. Ela pede, para beber, uma garrafa de suco de manga. Não, ela não gosta de refrigerantes (deixam-me "empanzinada", ela costuma dizer e o repetiu para o garçom).
     Assim que a salada chega, os olhos da gorda se abrem. Esbugalham-se na face. Ela abre o nariz como se não houvesse viva alma naquele restaurante. O garçom, um menino de dezessete mal vividos anos, coloca o prato à frente da gorda, junto à outra pequena bandeja com azeites (extra-virgem, como exigido), vinagre (de uva, como ela gosta), sal e pimenta (do reino, como ela tão pacientemente pediu após escutar uma lista de tipos). Durante a refeição, que ela fez com tal paciência, ela folheou o cardápio procurando (desta vez) uma sopa. Sim, algo para apreciar depois. No momento, ela dobrava cada folha de alface em seu prato e comia com uma rodela de tomate e outra de cebola. A proporção é perfeita. Ela sente como se cada folha fosse única e tivesse seu próprio sabor.
            Ela pede uma sopa de ervilha com cogumelos. Ela pede uma água. Ela sente que sua parte favorita, o "pasto", como era chamado pelos latinos, deveria ser aproveitado puro. A refeição em si. Ela não era uma coisa isolada. Mas, ela preferia que fosse. Ela esperou pacientemente. Seus olhos corriam silenciosos, verificando cada uma das pessoas ali presentes. Ela olhou para os magros, altos e baixos. Ela identificou ricos e pobres. Ela distinguiu trabalhadores públicos dos executivos. Ali havia grupos de ricos jantando, até mesmo algumas pessoas isoladas, no bar. Os pobres estavam em casais, nunca sozinhos. Ela examinava cada um. Nunca se sentia entediada durante a espera, mesmo que parecesse durar uma eternidade. Apesar disto, enquanto seus olhos espreitavam furtivamente pelo local, o jovem garçom de dezessete anos mal vividos aparecia à sua esquerda.
            Ela abriu novamente as narinas. O rapaz não hesitou em colocar a tigela de sopa na mesa e o prato à frente da gorda, para que ela se servisse. Ela exigiu isto. Então, o rapaz trouxe os condimentos e, antes que ele partisse, ela pediu um prato cheio de pãezinhos. Não pedira pães grandes, nem nada, somente pães, uma quantidade generosa. Ela, então, colocou-se a servir uma quantidade regular de sopa no prato. Durante esta primeira concha de sopa, o garçom chega com um prato levemente fundo recheado de pãezinhos. Os pãezinhos mediam seis ou sete centímetros. Eles possuíam uma quantidade ínfima, mas, realmente agradável e perceptível de queijo parmesão. A gorda sentiu um êxtase. Ah, como ela gostava de queijo. Ela abriu o primeiro pão e sentiu o cheiro do queijo.  Mergulhou o pão na sopa, vigorosamente. Não se importou com a mancha que a sopa causou em seu vestido cor-de-rosa. Um vestido realmente bonito, com pequeninos babadinhos brancos. Ela fez deste ritual, uma desempenho admirável, (um show, por assim dizer). Ela fez com que isto se repetisse até que acabasse a sopa.
            Quando a sopa acabou, ainda restavam dois pãezinhos. Ela os viu. Pensou em como não poderia abandoná-los. Chamou rapidamente o garçom e pediu manteiga. Não apreciava margarina Ela se deliciava com o fato de uma ter mais calorias que a outra. Ela, então, pediu um cafézinho. Uma pequena xícara. Enquanto esperava (não podia comer seus pãezinhos sem um café, isto era óbvio), ela começou a folhear o cardápio novamente. Desta vez, ela procurava uma sobremesa. Ela gostaria de comer algo simples e leve, para não haver indigestão. Então, o café chegou. Naquele momento, ela abriu o pão com a faca trazida com a manteiga e a espalhou por inteiro. O pãozinho ficou gorduroso, oleoso e delicioso. Ela pôs três gotas de adoçante no café (não gostaria de engordar, claro, pensava muito em questões de peso). Deliciou-se rapidamente com este lanchinho, que durou somente o tempo de a gorda achar a sobremesa ideal. Ela pediu um petit gâteau, de chocolate com uma única cereja no topo e banhado à calda de marshmallow e chocolate.
            Como a sorte quis ditar, o pequeno bolo chegou rapidamente. Ela ficou tão alegre que comeu com uma velocidade pouco apreciável. Todavia, ela tinha anos de experiência. Se deliciou profundamente com o bolo. A velocidade não a atrapalhou. Ela deixou a cereja para último. Sim, ela seguiu a convenção. Ela gostou de "jogar pelas regras". No fim, ela comeu a cereja e deixou apenas o talo. Este, por sua vez, foi colocado na boca depois pela mão dela. Uma mão roliça e bela. Com alguns anéis. Nenhum no anelar, porém. Ela acenou para o garçom. Ele veio até ela, com apenas um pensamento em mente. Ela, contudo, entregou-lhe o cardápio (que até então, não tinha deixado a mesa, por nenhum instante) e pediu-lhe a conta. Ele saiu calmamente em direção ao caixa e fez o que lhe foi pedido.
            Ele entrega-lhe a conta, que deu um total nada agradável à olhos comuns e bolsos típicamente brasileiros. Mas, a gorda sentiu-se alegre, um sorriso iluminou sua linda face levemente enrubescida. Então retira um maço de notas do bolso e conta exatamente o dinheiro que devia e deu na mão do garçom. Achou que o garçom, pelos serviços, merecia uma gratificação. Ele merecia um prêmio pela paciência. Ela, então tirou uma nota de vinte reais para dar como gorgeta. Outro sorriso apareceu, neste momento, o do rapaz de dezessete anos que até aquele momento foram mal-vividos.
            Ela sai alegre, a última cliente do horário do almoço. Enquanto que o garçom está mais alegre ainda. Ele contava, ainda, os vinte reais, que serviriam para seu próprio prazer naquele mesmo dia. Ele iria "fazer daquela noite, inesquecível". Na realidade, ele só pôde comprar uma pizza. Mas, a partir deste ponto, é lucro. A pizza foi um presente de aniversário para seu irmão de onze anos, que nunca esqueceu o "melhor aniversário de sua vida".

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