sexta-feira, 13 de setembro de 2013

"E o vento levou..."

Era uma história que havia começado há tantas luas que ele já não se lembrava. Os nomes foram apagados de sua memória como um pó que é soprado para longe pelo vento. A luz que o dava raciocínio, se apagava depressa. O mar surgia e ia, todos os dias. A maresia o lembrava das memórias que ele detinha, da infância. A juventude lhe fora apagada como uma forma de repressão. Preso em seu próprio mundo, fez-se uma vida.


Meu mundo começou com o nascimento. Se meus pais não tivessem se encontrado, se apaixonado, e se agarrado naquele banheiro de restaurante, eu não teria nascido. Pela privacidade dos banheiros, sou grato. A pressa é inimiga da perfeição, sempre me disseram; sendo assim, meus pais demoraram apenas trinta segundos naquele aposento. Imagine meu trauma: eu ouvi essa história aos seis anos de idade, enquanto jantava macarrão parafuso com almôndegas.

Aos sete anos, eu já sabia andar de bicicleta, ler e escrever. Ser filho único era muito bom, claro, mas se algo tende a piorar, com certeza o irá. Minha mãe engravidou. Infelizmente, não do meu pai. Eles se amavam muito, mas acidentes acontecem, como ela bem explicou. Eu percebi que a criatura, que veio a se chamar de minha irmã, não se parecia com o meu pai. Acho que ele também percebeu, porque saiu para comprar cigarros e nunca mais voltou.

OK, sem drama, ele voltou no dia seguinte. Ele só tinha ido cuidar da minha avó. Ela estava passando por um momento difícil. Observação pós-cirúrgica. Mas, enfim, acontece que meu pai havia se tornado infértil. Curiosamente, eles queriam tanto ter outro(s) filho(s) que tentaram inseminação artificial. Minha irmã, no caso, era asiática. Amarela e de olhos puxados, era um alienígena em nossa família.

Com o passar dos anos, percebi o quão diferente ela era de nós. Suas habilidades matemáticas, aos seis anos, ultrapassavam as minhas, aos treze. Claramente, ela estava em outro patamar. Sabia, inclusive, usar um ábaco. Sabe como isso é difícil? Eu mal sei soletrar essa palavra. Pra falar a verdade, eu usei o corretor. Minhas habilidades, ao invés disso, se concentravam na imagem. Eu era capaz de desenhar um mapa da galáxia só por observar o escuro da minha mente e todo o vórtice temporal incutido nela.

O céu é um portal daqui para outra dimensão. Meus olhos são a chave. Basta um relance que já me sinto transportado. Meu corpo flutua enquanto minha mente se abre em mil pedaços. Meu coração bate, incessante, sem saber o que significa ser ou estar. O primeiro se relaciona à natureza de espírito permanente, confundível por sua simplicidade; o segundo, porém, mostra o estado de espírito, tanto quanto o lugar que se encontra: duas coisas bastante diferentes que se relacionam com um simples suspiro que mais parece uma ventania sem fim.

As nuvens funcionam como trampolins para que eu viaje a mundos ainda mais distantes, mantendo sempre o olhar em casa e em mim mesmo. A parte séria do lado direito do meu encéfalo ainda não consegue compreender viagens interdimensionais. A melodia que encripta minhas funções cerebrais ainda está para ser descoberta até mesmo por mim, o que me permitirá compreender "o que sou" e "o que faço".

Quando fiz quinze anos, arrumei minha primeira namorada. Nossa relação era conturbada, cheia de dor. Eu não gostava dela. Na verdade, ela meio que grudou em mim e não largou mais. Tínhamos brigas constantes. Não falávamos a mesma língua. Porém, o prazer era imenso. O sentíamos de tocar as mãos, imagine o resto. Eu queria que um de nós (ela) morresse logo para que eu não tivesse que terminar o relacionamento. Mas, ela atendeu minhas preces. Não, ela não passou desta para melhor. Me largou alegando incompatibilidade. Me trocou por uma outra garota com seios grandes, cabelo curto e com muita maquilagem.

Minha relação dentro de casa ficava cada dia mais atordoada. Eu não fazia o que meus pais queriam e nem eu conseguía que eles fizessem algo por mim. As palavras não saíam. Nossos diálogos ficavam cada dia mais monossilábicos. O céu de inverno dizia o que eu pensava. Meu peito já estava ficando tão solitário quanto os ursos estivando. Um sono profundo se apoderava do meu corpo.

Aos dezoito anos, fiz um pedido. "Me acorde quando julho terminar", parafraseando aquela música de setembro. Infelizmente, não me atenderam. Me acordaram com antecedência. Não aguentaram ficar sem minha companhia ou apenas queriam me irritar. Se o objetivo era este último, conseguiram. Minha irmã estava entrando na fase de adolescência. Cada dia mais insuportável, com todos os hormônios, eu decidi que já era hora de dar linha na pipa.

Abandonei tudo. Meu corpo e minha alma. O nome que outrora eu carregara, já não era mais meu. O peito que hoje se inflama ao ver as rosas se abrindo, já era outro. Minha sombra já não me seguia, e sim o contrário. Eu ia para onde meu espírito abrisse as asas e partisse. Meus olhos já brilhavam com o luar.

Vivi com quem quis, onde quis, por motivos de querer, por tanto tempo. Não me lembro mais de todos os cafés que tomei ou com quem tomei. Lembro-me das águas dos rios que passeavam pelas terras. Vejo, ainda hoje, tudo o que existe. O pulsar da energia. Uma outra parte do mundo material que eu já não queria sentir. Meu nariz conseguía ver até mesmo as cores mais reluzentes do mais puro piar dos pássaros.

Quando despertou, já não era mais quem queria ser, tampouco a vida havia lhe ajudado. O sonho não havia passado de um pesadelo quando decidiu acordar e ver por si mesmo que o mundo não era o que ele sempre havia desejado. Os gênios não saíam das lâmpadas. As bruxas não voavam em vassouras. E fadas não controlavam as mudanças de estações. O que era sonho virou realidade, se transformando em pesadelo, abrindo as portas para o pior de tudo: a alma de si mesmo.

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