quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Uma festa


Todos os convidados chegaram, em seus carros, cada um mais lindo que o outro. Todos eram ricos, afinal. Todos possuíam motoristas particulares. Não me ocorreu de que eu, também, era rico; tanto é que a festa, em questão, se encontrava sediada em meu lar. Era uma festa que duraria diversos dias. Eu não sabia como mas, daria um jeito de entreter todos os convidados.
Na primeira noite, chamei uma cantora, simplesmente divina. Amélia era seu nome. Seus olhos possuíam cor-de-mel e, assim como eu percebia, era a mulher mais linda de toda a festa. Todos os convidados se hospedaram em minha casa, obviamente. Eu gostaria que se sentissem em casa, assim como os disse. A maioria era educada o suficiente para que nos déssemos muito bem. A não ser, é claro, alguns dos novos ricos que, como eu, ainda tinham muito a aprender, com relação a alta sociedade. Eu tinha acabado de enriquecer, em torno da indústria do meu pai que, felizmente (para alegria geral da nação), havia deslanchado.


No dia seguinte, assim como foram avisados, os convidados apareceram para tomar café-da-manhã, como desejassem, no grande salão. Eu, ainda atordoado da noite anterior, tomei um copo de vitamina de banana, que causaria um despertar mais suave, para o dia cheio que me esperava. Assim como anfitrião, eu de nada servia, mas meu novo mordomo, Sebastian, fazia questão de me assistir nas questões mais complicadas, pois ele, em sua infinita sabedoria e cultura, havia trabalhado por bastante tempo com a família Lancaster, que ainda possuía certo renome, ainda que não dinheiro nos bancos.
Passamos o dia na piscina, enquanto nossas crianças brincavam, em seus tobogãs. Sim, eu tenho filhos, como tão estupidamente esqueci de contar. Dois, para ser mais exato. Petra e Erik, gêmeos nomeados em homenagem aos meus sogros alemães, falecidos tantas décadas atrás, assassinados. Minha gloriosa cônjuge morreu no parto, infelizmente. Mas, minha nova esposa-troféu, "quebra o galho", como nenhuma outra. O almoço foi composto de um churrasco, à moda brasileira, onde há muita carne e molho a campanha (uma salada diferente, composta de pimentões, tomates e cebolas, embebidos em vinagre, sendo que, algumas receitas, incluem mostarda e pimenta, para tornar o sabor levemente picante).
À noite, eu contratei um circo, cheio de palhaços, para tão bem nos divertir. O domador era uma graça. Brincava com um leão, como velho amigo de infância; uma criança e seu gatinho, numa luta que tomou conta do picadeiro. Já os palhaços possuíam maquiagens lindas; bem coloridas, ainda que simples. Seu número foi hilário; todos riram, desesperadamente. Foi mais ou menos como uma peça, protagonizada pelo Pierrot, o Harlequim e a Colombina (palhaços-personagens comuns ao teatro italiano), como uma linda história de amor. Uma bailarina, linda, loira, com olhos docemente verdes, também se encontrava ali, cavalgando em um cavalo, enquanto desempenhava diversos números, com este; como pular em aros em chamas ou pular obstáculos. Os ginastas, então, subiam e desciam de panos, formando, em sincronia e coletividade, formas diversas, neste, como o Cirque du Soleil. Haviam músicos, também, para apresentar todos os números. Era chamada de Orquestra Sinfônico-Melodiosa do Camarão, cujo símbolo era um camarão com antenas semelhantes à notas musicais, em um fundo azul, circular. Para o domador, uma melodia infantil havia sido cantada, como cantigas de roda. Para os palhaços, uma melodia incrivelmente triste havia tomado conta do ambiente, mostrando que a Colombina, dividida entre os dois amores, Pierrot e Harlequim, deveria fazer uma terrível escolha. Para a bailarina, a melodia escolhida era incrível; inspirando o desafio, como se fosse uma música, perfeita para deixá-la confiante o suficiente e conseguir desempenhar o "show", que não poderia parar, mesmo que se ela se encontrasse prejudicada. Entretanto, para os ginastas, a melodia era um pouco mais complexa; era uma melodia que inspirava chacota; isto é, divertia, enquanto mostrava aos que assistiam, que eles jamais poderiam tomar o lugar dos artistas.
Me aliviou saber que os convidados gostaram muito de todas as apresentações, até o momento. O jantar foi composto de algo simples (para contornar o almoço pesado e cheio de carnes): um caldo de cebolas, contendo nada além de frango. Este, por sua vez, foi preparado com temperos a base de limão, para ajudar na terrível digestão do churrasco, no qual se encontrava todo tipo de carne, desde filé mignon, até mesmo alguns bodes.
No dia seguinte, meu lar despertou ao som de diversas privadas, manipuladas pelos convidados. Os que possuíam prisão-de-ventre, porém, não as utilizaram e, assim, ficaram apenas com inveja daqueles cujos intestinos funcionavam perfeitamente bem. Minha própria família, graças a Deus, pôde se valer deste maravilhoso aparato. Eu mesmo fiquei ali, preso, lendo um de meus livros favoritos, de Agatha Christie, o Natal de Poirot, naquele vaso sanitário.
Nada de novo aconteceu durante o maravilhoso café da manhã do terceiro dia, felizmente. Mas, temo eu que isto tenha divertido pouco aos meus convidados. Da manhã à tarde, eu propiciei um treinamento para, onde todos os convidados, deveriam participar, sem quaisquer exceções. Então, houve aprovação geral, pois, enquanto todos estavam se divertindo, nenhum deles percebia, o quão grande a vergonha era. O torneio, por assim dizer, era um concurso, de canto e dança. As mulheres eram vertiginosamente mais talentosas que os homens, o que instigou-me, então, a dividir os prêmios em categorias. Haveriam duas equipes, uma masculina e outra feminina. Subdividi-os, então, em adultos, crianças ou adolescentes. A cantora Amélia, tornou-se instrutora das mulheres, para que pudessem competir de forma mais igual, entre si. Contratei, também, um cantor para treinar os homens, chamado Julio, para a competição, que ocorreria, de forma civilizada, ou assim eu esperava. O treinamento correu de forma hilariante, se me permitem dizer, os convidados. Eu não sabia que havia tanto talento incutido nestes homens de famílias ricas. Os homens, aparentemente, assim como as mulheres, tinham aulas de dança, desde jovens crianças. Os novos-ricos, porém, (os quais eu convidei à minha festa apenas por educação) se divertiam bastante, com seus filhos, fazendo um contraste, entre eles mesmos e os "velho-ricos", que nem olhavam diretamente nos rostos de seus filhos, como se estes fossem completos estranhos, com os quais dividiam alguns traços físicos.
No jantar, todos estavam exaustos, de todo aquele treino exaustivo. No almoço, eu tinha servido um leitão, embebido em mel, para dar forças aos convidados, durante todo o dia. No jantar, então, eu servi algo que, como nos outros dias, seria simples, porém, nutritivo, para dar uma boa noite de sono, aos competidores: sanduíches naturais, com peito de peru, queijo cheddar, pepinos e cenouras. Pediram-me, então, de forma quase unânime, que o torneio fosse adiado para o dia depois do planejado, pois, ainda se encontravam deveras cansados. Eu, então, concedi seu desejo, quase triste, pelo atraso à minha diversão, como jurado. Naquela noite, eu sonhei com um corpo, encontrado na minha casa.
No dia seguinte, todos fizeram uma festa! Tomamos o café da manhã reforçado, para passar o dia, dançando e cantando, comemorando a nossa reunião. Tantos de nós ficaram bêbados... Eu nunca tinha visto tantos ricos naquele estado. Foi ridículo e deplorável. Alguns dos patriarcas, com toda a certeza (por mais que tentem negar), tentaram estuprar jovens moças; principalmente, as solteiras. Eu não o fiz e censurei os velhos decrépitos. E, infelizmente, foi assim que, apartando uma briga, acabei dando uma surra tão grande em um senhor, que acabei matando-o; quando outros vieram apartar, eu também os matei, em uma sede de fúria discutível. Minha mãe, que descanse em paz, foi estuprada e agredida até a morte, quando eu tinha 5 anos.
E é por isso que aqui estou, preso, contando a minha história. Escrevo-a neste caderno, sobre como eu acabei vindo parar na prisão, por homicídio culposo. Eu espero jamais sair daqui. A vida é preciosa, eu sei, mas naquele momento somente a sede de vingança enchia meus pulmões, dando o ar que respirava, na hora em que fiz aquela chacina e, o que é pior, na frente da minha esposa e dos meus filhos...

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