quarta-feira, 25 de julho de 2012

De volta à vida

 Era uma noite fria e chuvosa. Não era comum que elas acontecessem, mas, esta noite em particular, era perfeita. Cheia de raios, trovões e nuvens bastante densas. Cada corvo se empoleirava cautelosamente na casa dos Ravenwood. Não era exatamente uma casa, e sim uma mansão, mas, há anos eles não a referiam como tal. Os corvos, contrariando o pensamento do leitor, não eram reais; eram apenas estátuas bastante vívidas. Eles olhavam para direções estranhas, sendo que não a mesma. Uma, em particular, tomava lugar bem em frente a casa, em um pequeno jardim, olhando fixamente ao portão.
 A casa tomava lugar em uma cidade X, onde era considerada uma de suas maiores casas. A família que um dia habitou ali, havia a abandonado tempos atrás. O último patriarca havia sido Arthur Ravenwood, casado com Lydia Cromwell, que (obviamente) adotou o sobrenome do marido. A família Cromwell não era tão nobre quanto a Ravenwood e foi extinta pela falta de herdeiros masculinos. Naquela época, famílias acabavam e mais ninguém se importava. O pai de Lydia era Marshall Cromwell, o último de sua linhagem. Ele, mais que todos, se odiava por não ter dado a sua esposa, Lizbeth, um filho. Seus irmãos tinham falecido jovens demais. Ele era, realmente, o último.
 Arthur Ravenwood era um homem bom. Para os demais cidadãos da cidade X, ele era um heroi; assim, havia uma estátua dele e seu próprio pai, os últimos patriarcas da família que fundou a cidade X. Na verdade, ele era um crápula. Sem que muitos soubessem, ele era um amaldiçoado. Ele acordava, praticemente, todas as noites com uma sede de sangue. Tudo o que ele mais queria eram vidas; pulsantes e deliciosas vidas. Mulheres eram assassinadas. Extra-oficialmente, elas também eram estupradas, mas, com a tecnologia da época era impossível que as pessoas soubessem disso, assim, a dignidade das moças, tampouco das famílias, não era questionada.
 Quando ele acordava, depois de seus sonhos diurnos, Arthur saía para caçar. Escolhia a melhor mulher, e a levava para o melhor quarto de seu hotel favorito, a suíte real do Hotel Lafayette. O gerente era seu amigo de longa data, portanto, não revelaria seus segredos para qualquer jornalista barato. Não sei até onde essa amizade se estendia. Os corpos eram depositados no lago Curie que, curiosamente batizado em homenagem ao casal Curie (descobridor da radioatividade), era limpo pelas autoridades que encontravam os corpos e os desovavam no aterro sanitário, sem perguntar ou investigar. O poder dos Ravenwood era inegável, realmente.
 Uma bela noite, Arthur levou uma mulher, Gwyneth Messinger, desempenhando os rituais, que tanto já se acostumara, apesar de ser casado, com filhos. Ele a estuprou, sem que ela percebesse. Penetrou de forma incisiva e, com gritos de terror e prazer (misturados, sem poder diferenciá-los, com um choro inparável), ao fim do clímax, ele a esfaqueou, múltiplas vezes. As moças eram sempre parecidas, percebeu seu amigo, o gerente Sanders Archer. Infelizmente, o silêncio era (ainda é, na verdade) facilmente comprado. As moças só eram declaradas desaparecidas pela família. A polícia não sabia quem as tomava, mas, não se importava; eram apenas mulheres, afinal.
 O pai de Gwyneth era Mason Messinger, um homem rico da região. Ele não era tão rico quanto os Ravenwood, evidentemente. Ele sentia falta da filha. Ele estava desesperado pelo fato de ela não aparecer, apesar dos "esforços" da polícia. Ele sentia, porém, que ela já se encontrava no Outro mundo. Para encontrá-la, ele só precisava de ajuda. Ele foi à uma médium. Ela falava com um forte sotaque jamaicano, que dava um tom meio místico, contrapondo o ceticismo de Mason, à coisa toda.
 Quando a médium, Yanna, chamou por Gwyneth, no Outro plano, ela atendeu, quase que imediatamente, desesperadamente. Não sei dizer como, pois não estava lá, mas, o espírito estava clamando por vingança. Ela era doce, quando viva. Depois de morta, a dor tomava conta de seu "corpo" e somente a vingança poderia levá-la em segurança ao Outro mundo.
 Existem duas coisas que os humanos desconhecem, primordialmente. São os planos e mundos. O Outro plano, citado aqui, fala da dimensão em que os espíritos se encontram, aqui mesmo, o meio do caminho ao Outro mundo; eles são pouco tangíveis e podem falar com os vivos apenas se eles permitirem, por meio de uma médium, de preferência virgem. A médium apresentada aqui não era virgem, mas, era extremamente poderosa, podendo até mesmo usar o poder da natureza; foi assim, na verdade, que ela se manteve viva até os dias atuais. No entanto, o Outro mundo, residia em uma realidade diferente, onde os mortos sentiam em paz, sem se preocupar com dor e vida, apenas com a não-morte, sem maldade ou um fim pesaroso.
 Yanna disse à Mason que a passagem para o Outro mundo se valia apenas de paz. Ele devia, então, dar paz ao espírito de sua filha. Ele perguntou à filha quem lhe deu aquele fim tão inesperado. Ela lhe contou sobre como Arthur Ravenwood, o magnata, a havia possuído, de alguma forma e a deixado para morrer, sem se importar. Mason Messinger entrou em um surto de fúria. Mas, a fúria era grande o suficiente para que ele ficasse calmo e não entrasse em pânico. Não é realmente importante como ele procedeu dali à sua casa, onde ele passou dias pensativo. Ao fim deste período, ele ligou os pontos e um plano já estava formado.
 Não sei como ele descobriu, mas, levou Arthur, enquanto ser dormente, durante o dia. Ele dormia como uma pedra. Seus sonhos eram doces e gentis, contrariando sua natureza. Durante os dias que ele ficava acordado, e durmia durante à noite, era o heroi que a cidade tanto prezava e admirava. Mas, poucos tinham conhecimento disso. Quando Mason Messinger, um homem que tinha crescido com uma criada da Louisiana, levou Arthur ao sol, fez com que ele se tornasse cinzas. Mason recolheu as cinzas e depositou em uma urna, onde ele escreveu:
 "Aqui jaz Arthur Blake Ravenwood, assassino cruel e estuprador, cidadão modelo e homem canalha, desgraçado perante os olhos de pais em todo lugar".
 Essa urna foi enterrada embaixo da estátua principal do corvo, logo ante a entrada da mansão. O solo ao redor se tornou infértil e a estátua tomou uma feição aterradora, como se estivesse protegendo uma cria, divergindo da antiga expressão neutra. Depois desse dia, a mansão se tornou um ambiente horrível: ervas daninhas cresciam por todo lugar e hera venenosa subia as paredes, tornando-as feias e decadentes. A família deixou a mansão por medo de algo que sentia. O ambiente se tornava apenas mais e mais assustador. Não sabendo como, a família sentia que, embora declarado morto pelas autoridades, o patriarca Arthur ainda vivia entre aquelas paredes, como um simples fantasma, "pulsando" menos que um, na verdade, tornando a casa um ambiente realmente inabitável.
 Eu era o filho dele, Gwayne. Éramos uma família feliz, até que descobriram o que ele fazia. A culpa de nós termos que nos mudar era dele. Não sei o porquê, mas, herdei quaisquer condições meu pai possuía. Eu sou o único que pode ajudá-lo, mesmo depois de tudo o que ele me fez. Eu fazia parte de uma das famílias mais ricas do país e ele me tirou tudo o que tinha e, mesmo assim, eu o amava. Não sei como, mas, eu sabia que ele tinha sobrevivido. Esta noite, tal qual comecei a narrativa, foi a noite da super lua, que só ocorre a cada 18 anos, a noite em que a Lua está mais próxima da Terra. Ali, chamei a médium Yanna, que trouxe meu pai de volta à forma mais humana possível.
 Essa é a uma história. A história de como um demônio volta à vida, mesmo depois de 100 anos, inerte.

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