quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

De graça, até injeção na testa

Se eu soubesse que minha vida seria assim, talvez eu nunca tivesse parado pra nascer. Foi uma coisa meio de repente que cresceu, como uma bola de neve. Se eu soubesse tudo o que ia encarar, teria pensado pelo menos uma vez, duas vezes, antes de aceitar. Essa proposta é indecente. Uma vida. Tudo o que ela dá, ela tira. Você nasce bonito, fofo e pronto pra aprender. Mas, no momento que você cresce, fica mais bonito, sensual e atrai olhares indiscriminados. A idade vem e você vai ficando sexy. A experiência torna cada relação mais forte e pessoal. Chega um ponto que você fica expert em driblar bolas. Mas, chega também o ponto em que você começa a esquecer. A memória recente se vai como se nunca tivesse vindo. A memória antiga passa a ser a recente, como se você nunca tivesse saído dos seus anos dourados. Seus amigos, que você tanto prezava, já estão mortos. Você os procura, incessantemente, sem saber para onde se foram. É uma surpresa maior ainda quando você encontra os que estão vivos, mas não se reconhecem porque ambos são recentes demais. Mas, eu nem falei da aparência. Quando chega nesse ponto, onde a memória é um simples sopro de vitalidade, a aparência já não importa mais. Todas as fibras do corpo perdem o vigor. Elas passam a ser meras tiras de couro por todo o corpo. Então, invariavelmente, tudo cai. Os peitos, o excesso de pele nos braços, a barriga etc. Tudo passa a ter uma consistência diferente, mole. Os cabelos, antes cheios de cor e volume, passam a ser um gasto desnecessário de energia. Seu corpo abandona, na esperança que dure um pouco mais. O que ele não percebe é que nada mais importa. O corpo não perdura e a mente dedura. A morte iminente se aproxima, devagar e suave. Quando você sabe que vai morrer quer duas coisas. Quer que se lembrem de você com carinho, mas também deseja que não lamentem sua vida; você viveu bem. Foi com simplicidade e seriedade que passou os seus dias. Ninguém sabe o que vem depois. Essa é a grande curiosidade dos idosos. Já passaram por tantos meandros que conhecem a existência como a palma das próprias mãos. Sendo assim, só têm mais um caminho a percorrer: a última jornada. O santo sepulcro para todas as almas: o pós-vida. É, se eu soubesse que ia ter que passar por tudo isso, talvez eu não tivesse aceitado. Felizmente, a vida é uma surpresa tão grande que me diverte saber que tudo vem de bom grado. A experiência nos ensina a aceitar tudo o que vem de mau gosto. Não podemos negar nada. Afinal, cavalo dado não se olham os dentes.

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