terça-feira, 1 de outubro de 2013

Inconstante desprazer do existir

   Acho que ninguém perceberia se eu desaparecesse. Talvez eu esteja sendo um pouco individualista ou só egoísta, mas não acho que alguém perceba minha existência. Os dias já não acontecem com a mesma velocidade. Tudo parece demorar uma eternidade. O tédio me permeia como uma infecção incurável.
   Todos somos assassinos, dados os devidos momentos. Alguns matam cachorros, outros matam pessoas. Eu mato insetos. Tudo que eu faço é matar insetos. Os dias, cada vez mais quentes, fazem com que eles apareçam mais e mais. A água, deixada por todos os lados, é o principal motivo.
   As pessoas são idiotas, não é mesmo? Fazem o possível para matarem uns aos outros. A vida é uma guerra, afinal. Arrumem suas armas, aviso logo. Tudo que se faz valer na vida é por meio de competição. Algumas são justas, outras não.
   Eu estava indo trabalhar, conforme todos os outros dias da minha existência incessante, quando me aconteceu. Não vi, exatamente, o que me atingiu. O céu começou a girar e se transformar em outro ser, de cor diferente. Tudo ficava vermelho, de repente, e muito mais quente. Então, ficou escuro e eu apaguei.
   Quando acordei, estava em uma clareira escura, com árvores altas. Uma fumaça com gosto de erva cidreira me enchia os pulmões. Por mais que fosse bem gostosa, eu tossi. Não era acostumado com fumantes. Segui a fumaça, mesmo assim, e encontrei uma mulher.
   "Quem é você? As portas do inferno se abriram e você escapou de lá? Me parece que toda a vida se abre com sua chegada. Se você quiser, pode ter tudo o que quiser. Consegue ouvir as borboletas? Elas batem as asas, felizes com a sua chegada. Como se chama?"
   Nesse momento, meu corpo parou. Meu peito, antes em chamas, se encontrava seco e sem vida. Decidi me aproximar. Seu cabelo escuro parecia névoa, se movendo com o vento. Seus olhos violetas, se confundiam com as flores que ali haviam. Sua pele, tão branca como a neve, destacava-se da madeira escura e das folhas tão intensamente verdes.
   Quando eu ia chegando, aconteceu algo inesperado. Seus olhos ficaram vermelhos e dobraram de tamanho, sua pele assumiu um tom esverdeado, seu cabelo começou a cair e nasceram antenas em sua cabeça. Acontece que ela havia se transformado em um grande louva-deus.
   "O que fiz eu para merecer tal mal que aparece ante meus olhos?", perguntei sem saber o que pensar. "A vida chega ao fim conforme os dias aparecem negros e disformes", lembrei a mim mesmo, em voz alta. "O corpo que antes parecia tão belo, agora se ergue em posição de ataque", disse, esperando que me ouvisse, persuadindo-a a não me atacar. "A morte é uma coisa que acaba com a vida da gente", sussurrei para mim mesmo.
   Fechei os olhos e contei até três. Então, o zumbir das abelhas começou a invadir meu corpo, fazendo-o se mexer conforme o ritmo. A melodia me lembrava uma antiga canção que minha mãe entoava na hora de dormir.
"Os dias passam
As noites se deitam
O presente momento
É aquele sem jeito
Um abraço apertado
Um beijo sem graça
Me desculpe, moça,
Mas, estou atordoado"
   Quando abri os olhos, vi centenas de formigas se aproximando de mim. Meu corpo começou a sentir as penetrações de suas picadas. Baratas começavam a voar ao meu redor, enquanto eu tentava afasta-las. O grande louva-deus estava próximo. Então, quando ele chegou...
   Acordei sem sentidos na cama do hospital. Meu corpo doía. Tudo ainda estava girando, mas (pelo menos) eu ainda conseguía respirar. Meu corpo não conseguía se mover direito, mas eu podia ver que estava em boas mãos. Havia uma mulher ao meu lado, uma enfermeira. Curiosamente, ela me parecia familiar.
   A mente humana funciona como uma antena parabólica. Ela capta todo tipo de coisa, mas só reproduz o necessário. Acontece que eu sofri um acidente de carro, realmente. Um caminhão da floricultura bateu em mim. Por isso, acabei pensando que estava em uma floresta. Mas, e "a vingança dos insetos"? Acho que eu não deveria ganhar a vida matando gente inocente. Só acho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Minhas [des]ocupações mais valorosas...