terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Uma morte muda tudo

Minha vida toda eu fui uma criança desajeitada, mesmo quando adolescente. Eu nunca adivinhava o que as pessoas tinham na mão que colocavam nas costas. Eu nunca fui muito bom com lógica. Sempre me imaginei como uma criança crescida. Meus pensamentos eram "viajões" demais. Meus amigos gostavam de matemática. Eu não sabia como eles eram meus amigos. Eles não gostavam de conversar comigo, me achavam louco demais. Eles cuidavam de mim. Eu era sozinho e minhas mãos tremiam. Eles ficavam ao meu lado e ouviam meus problemas. Me davam casa e alimento, quando me era negado pelos meus pais.
Eu não gostava de ficar em casa. Brigas aconteciam, dia e noite. Eu chorava na escola, constantemente. Na primeira vez, uma menina, Melissa, veio me perguntar o que havia de errado. Quando ela fez essa pergunta, desatei a chorar, contando sobre a morte da minha irmã. Isso foi um choque para toda a família. Ela era muito jovem; não tinha nem 3 anos. Depois disso, o casamento dos meus pais ruiu. Meu pai culpava minha mãe de negligência, enquanto ela o culpava de não se importar com ela. Minha mãe chorava o dia todo, há semanas. E meu pai não ia mais pra casa. Depois do trabalho, ele parava no bar e bebia até desmaiar. De manhã, ele voltava pra casa, tomava banho e trocava de roupa, e voltava pro trabalho. E foi assim por toda a minha infância e adolescência. Nos fins de semana, minha mãe viajava pra casa da minha tia, pra "tirar uma folga" de nós dois. Aí, meu pai ia comigo pra minha avó, onde ela tomava conta de nós, como reis. Ela sorria, independentemente da situação. Eu sempre admirei sua força de caráter.
Quando fiz 13 anos, ela fez questão de pagar por uma festa. Não tinha dinheiro, então fizemos apenas uma reunião familiar. Minha mãe se recusou a aparecer. Ela dizia que não aguentava olhar nem pra mim, ou pro meu pai. No meu aniversário de 15 anos, ela decidiu nos deixar. Eu voltei da escola, um dia, e simplesmente ela não estava mais lá. Na minha gaveta de cuecas, havia um bilhete, onde ela dizia que me amava, mas não aguentava mais ver nossa família desfeita. Para o meu pai, ela só disse que ele merecia tomar conta de mim, porque ele já não se importava mais com ela. Eu chorei dias a fio, sem parar. Minha mãe me abandonou porque não me amava, é a verdade. Ninguém pode refutar. As crianças sentem essas coisas. Eu nunca imaginei que minha mãe fosse nos abandonar. Ela casou com meu pai por vontade própria. Ela sempre me disse que eu era um presente dos céus. Por que ela faria isso comigo? Ela não sentia mais nada.
Quando minha irmã partiu, nenhum de nós esperava. Éramos todos felizes. Por que isso tinha que acontecer conosco? Não merecíamos isso. Éramos felizes e todos invejavam nossa vida. Todos diziam que éramos a família perfeita. Todos diziam que eu e minha irmã éramos as crianças mais lindas da rua. Mas, tudo mudou quando minha irmã se afogou. Foi um descuido, apenas. Minha mãe deixou minha irmã na banheira, enquanto ia desligar o fogão, mas o telefone tocou e ela foi obrigada a atender. Foram 4 minutos e 32 segundos. O tempo exato da ligação. Quando minha mãe chegou, minha irmã já estava enrugada e azul. Eu estava assistindo televisão na sala, quando minha mãe chegou aos prantos me abraçando, me beijando, dizendo que me amava. Eu não sabia o que tinha acontecido. Perguntei, repetidas vezes, o que havia de errado. Mas, as palavras que saíam dos lábios da minha mãe eram incompreensíveis.
Quando meu pai chegou em casa, à noite, eu assistia TV, feliz; mas, minha mãe estava com a cabeça baixa, chorando, com a roupa toda molhada. Seu cabelo parecia sem vida, fosco. Meu pai perguntou o que havia de errado e ela contou, em um sussurro baixo e sem vida. Quando ele ouviu isso, a expressão mudou de forma absurda. Ele correu para o banheiro, para ver o ocorrido. De lá, ele saiu segurando minha irmã, gritando que minha mãe merecia morrer. A situação toda degringolou a partir de uma morte. Uma morte muda tudo. Uma morte é o suficiente para destruir vidas. Um casamento, antes tão bonito, transformado em cinzas, destruindo por completo a minha vida, uma criança, que não tem nem 18 anos. Por quê?

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